quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O difícil caminho rumo a Cerro Armazones



(Teoria de Tudo - Folha) UM GRUPO DE astrônomos jovens emitiu nesta semana uma carta em que pede ao Congresso Nacional para ratificar o acordo do Brasil com o ESO (Observatório Europeu do Sul), lar do maior telescópio do mundo, no Chile. Três anos após o governo Lula ter prometido uma ajuda substancial ao projeto, ainda não está claro se o investimento vai mesmo sair.

O documento, que ressalta a importância da adesão ao ESO para a política de longo prazo do país em astronomia, foi redigido e publicado há um mês. Em sua versão atual está assinado por mais de 130 mestrandos, doutorandos e pós-docs, que se descrevem como os pesquisadores que “mais têm a perder caso o Brasil não cumpra o acordo”, em razão das oportunidades que ele gera nas próximas décadas.

A carta chega ao Congresso num momento em que o acordo se encontra “órfão” dentro do governo. Articulada pelo ex-ministro da ciência Sergio Rezende, a afiliação ao ESO foi assinada dois dias antes de ele deixar o cargo, em 2010, e acabou recebida com ressalva pelos seus sucessores.

Aloizio Mercadante, chefe da pasta em 2011, engavetou o documento. Marco Antônio Raupp, atual ministro, tirou-o da gaveta e o encaminhou para apreciação no Congresso, mas não colocou empenho pessoal em lutar por sua aprovação. O entendimento do ministério é de que a comunidade astronômica está dividida em relação à proposta, e o Legislativo seria o foro mais adequado para debater a decisão.

Um pré-acordo, por enquanto, garante acesso de astrônomos do país ao VLT (Very Large Telescope), o maior telescópio do mundo, com quatro espelhos lentes de 8,2 metros de diâmetro. Por cerca de € 4 milhões por ano, o Brasil dispõe das instalações do melhor observatório do mundo. É uma pechincha, e já tem produzido resultados. Mas se o país quiser se tornar membro permanente, será preciso desembolsar € 270 milhões ao longo de dez anos, conforme prometido.

Alguns astrônomos influentes na comunidade científica brasileira, entre eles João Steiner e Augusto Daminelli, da USP, argumentam que a filiação ao ESO é simplesmente cara demais para o Brasil. Steiner diz também que o Brasil será relegado a papel de coadjuvante no ESO, onde projetos de pesquisa de astrônomos com maior poder de fogo tendem a garfar a maior parte do tempo de observação nos grandes telescópios.

O grande apelo sedutor de entrar para o ESO agora, porém, é que empresas e universidades do país poderiam participar de licitações para construção do E-ELT (European Extremely Large Telescope), em Cerro Armazones –um telescópio monstruoso com 39 metros de diâmetro que deve ficar pronto até 2022. Isso permitiria ao país reaver parte dos investimentos.

Steiner e Daminelli argumentam, não obstante, que há opções mais em conta para o Brasil –que podem até ser adotadas paralelamente ao ESO. Suas críticas contra a adesão ao observatório europeu, porém, não parecem ter angariado apoio. Na última votação sobre o assunto realizada pela Sociedade Astronômica Brasileira em 2010, apenas 8% se declararam contra o acordo com o ESO.

No plano político, a carta dos mestrandos e doutorandos, apesar de ser direcionada ao Congresso, traz uma mensagem que diz mais respeito ao Palácio do Planalto do que aos deputados. O grupo apela para o impacto do ESO na internacionalização da ciência brasileira, principal bandeira da presidente Dilma Roussef no setor. Se algum braço do poder executivo encampar a bandeira do ESO, fica mais fácil tocar a aprovação do projeto, que está agora caminhando a passos lentos em três diferentes comissões da Câmara.

“Estamos em uma época oportuna para atrair jovens pesquisadores, uma vez que a Europa e os Estados Unidos enfrentam problemas financeiros”, diz a carta. “Entrar para o ESO não só abre infinitas novas possibilidades para os pesquisadores brasileiros das áreas de astronomia, astrofísica e afins, como também alça o Brasil a um seleto grupo de destinos desejáveis para profissionais dessas áreas.”

O texto da carta, por fim, alerta para o problema da reputação: “A falta de cumprimento com o acordo assinado pelo então ministro Sérgio Rezende em 2010 significaria, além de tudo, a perda da confiança no Brasil para grandes acordos internacionais e um mal-estar para os cientistas brasileiros”.
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E mais:
Jovens pesquisadores pedem adesão do Brasil ao ESO (Herton Escobar - Estadão), com matéria similar na EBC

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