sábado, 5 de setembro de 2009

Sítio de Mauna Kea recebe novo hóspede

Com 13 observatórios e outros em projeto, o topo gelado de um vulcão adormecido na maior ilha do Havaí poder reivindicar o direito de ser os olhos com que a Terra vê o Universo

O Grande Kahuna: O topo do Mauna Kea, a 4.205 m acima do oceano Pacífico abriga alguns dos mais famosos observatórios do mundo. Agora ele deverá hosperdar mais um: o Telescópio de Trinta Metros, um dos diversos telescópios de próxima geração que estenderão os limites da astronomia do século 21.


(Scientific American Brasil) Não surpreendeu os cientistas o fato de o pico do Mauna Kea, ter sido escolhido para a instalação do Telescópio de Trinta Metros (TMT, na sigla em inglês), um dos vários telescópios ópticos de próxima geração que promete avanços incríveis na astronomia de solo, no século 21.

Para os astrônomos profissionais, o ar rarefeito e um encanto inebriante são um preço baixo a pagar pelo lugar na primeira fila para observar o Universo. E não há nenhum mistério nisso, porque ele abriga uma das maiores coleções de observatórios do mundo, com 13 deles, operados por cientistas de 11 países. “O céu noturno em Mauna Kea é simplesmente indescritível”, comenta Michael Bolte, diretor do University of California Observatories e membro consultor que escolheu esse pico como o sítio para o TMT. “Quando você sai à noite e olha para o céu é como olhar por uma janela diretamente para o coração do Universo”.

Em uma viajem ao sítio do observatório, os visitantes deixam rapidamente os trópicos exuberantes para mergulhar completamente num ambiente que os rovers da Nasa que circulam em Marte poderiam reconhecer. O oxigênio diminui, a temperatura cai até congelar e o céu adquire intensa profundidade azul escuro. A 4.025 m acima do oceano Pacífico, o pico do Mauna Kea domina a visão estonteante do mundo a seus pés e o Universo acima.

Geoff Marcy, astrônomo da University of California, em Berkeley, observa que a fina atmosfera contribui para o cenário: embora as estrelas sejam espetaculares, é muito difícil de focalizá-las nessas altitudes. “Depois de dar uma caminhada rápida de um minuto, praticamente todos sentem vertigens”.

Vários dos principais observatórios do mundo estão situados no topo do Mauna Kea ─ e acima de 40% da atmosfera terrestre ─ incluindo os telescópios gêmeos de 10 m W.M. Keck, operados pelo California Institute of Technology e a University of Califórnia e o telescópio japonês Subaru, de 8,2 m.

Os telescópios do Mauna Kea produziram avanços no estudo da evolução galáctica, da formação de estrelas e planetas e do nosso Sistema Solar. Em abril, o Observatório Gemini instalado no mesmo local, fotografou do objeto mais antigo já visto – uma explosão de raios gama medido com um redshift de 8,2. A luz captada pelo espelho do telescópio viajou mais de 13 bilhões de anos, praticamente desde o nascimento do Universo.

Vários outros locais, incluindo Cerro Armazones,Cerro Tolar e Cerro Tolonchar, no deserto de Atacama, no Chile, e San Pedro Mártir, na Baja California, Mexico, tinham sido considerados para a instalação do TMT, projeto do Caltech, University of California, e Association of Canadian Universities for Research in Astronomy. O instrumento, projetado a um custo de cerca de US$ 754 milhões, com cotação de 2006, deverá estar funcionando em 2018.

No remoto Atacama está o Observatório Europeu do Sul. O Telescópio Magalhães, gigantesco, com espelhos de 8,4 m de diâmetro, será construído no Observatório de Las Campanas, também no Atacama e inaugurado em 2018.

A escolha de sítio para o TMT começou em 2001, com um grupo de cientistas escalando alguns dos locais mais remotos do planeta. Os pesquisadores instalaram estações meteorologias e uma série de outros instrumentos em cada local para medir a transparência da atmosfera, turbulência, poeira e outros fatores. Elas também se apoiaram em imagens de satélites.

No ano passado, restaram dois finalistas em hemisférios opostos: Mauna Kea e Cerro Armazones. No final, o Mauna Kea, o topo de um vulcão adormecido que se eleva a 9.750 m acima do assoalho oceânico ─ a mais alta ilha-montanha do mundo ─ supera Cerro Armazones por várias razões, avaliam os astrônomos do TMT. Entre eles: Mauna Kea, com 4.025 m é mais alto que Cerro Armazones, que tem 3.064 m. Com menos vapor de água acima do telescópio em Mauna Kea, a qualidade das observações em comprimentos de onda mais longos, como no infravermelho, é melhor. A temperatura média em Mauna Kea é mais baixa, o que representa menor ruído térmico de fundo nas observações em comprimentos de onda de dois microns e mais longos. A temperatura no topo do Mauna Kea raramente varia muito além de 0o C, do dia para a noite, e ao longo do ano. Isso torna mais fácil e mais barato manter o telescópio e o espelho em temperatura uniforme porque a expansão e a contração da óptica é minimizada.

Há poucos pontos na Terra que se comparam ao Mauna Kea e o deserto do Atacama para astronomia observacional. A proximidade com o oceano garante um fluxo contínuo de ar acima dele, que minimiza a turbulência. A altura reduz o vapor de água, maximizando a quantidade de luz que chega ao espelho do telescópio. O vapor de água e a turbulência atmosférica são inimigos de todos os astrônomos.

Quando dotado de óptica adaptativa empregada para compensar a perda de nitidez da imagem, provocada pela atmosfera, o sítio Mauna Kea, concluem os pesquisadores, permitirá melhor qualidade de observação que Cerro Armazones. O projeto do TMT se baseia principalmente nos sistemas de óptica adaptativa, que utiliza um espelho deformável controlado por computador, eliminando a maior parte da turbulência.

O nível de poluição luminosa foi avaliado nos dois locais, mas em Mauna Kea hoje, luzes artificiais que poderiam comprometer a limpeza do céu não preocupam os astrônomos. O ponto mais baixo do céu que o TMT poderá apontar é de 65º do zênite ─ acima do alcance de poluição luminosa existente, observa Matthias Schoeck, pesquisador do TMT, que liderou a avaliação dos sítios. No entanto, a possibilidade de que luzes produzidas pelo homem possam invadir os céus acima do Mauna Kea preocupa sim os astrônomos, observa Schoeck. "É importante evitar que se torne pior, não só para o TMT, mas para outros observatórios também”, acrescenta.

A localização mais ao norte do Mauna Kea lhe dá pequena vantagem sobre Cerro Armazones. É vantajoso ter a próxima geração de grandes telescópios baseados no solo situados nos dois hemisférios, Norte e Sul, para se poder estudar diferentes partes da Via Láctea, por exemplo. Mas muitas das observações a serem feitas serão a distâncias cosmológicas, muito além dos confins de nossa Galáxia. Para esses estudos, não importa muito onde o telescópio está situado, afirmam os astrônomos.

Trabalhar no Mauna Kea pode inspirar os astrônomos a se tornarem poéticos a respeito do céu. “Mauna Kea permite voltar ao tempo em que as galáxias e estrelas estavam formando o Universo,” comenta Marcy. “Na verdade, Mauna Kea oferece à humanidade um olhar para nossas raízes, antes dos campos, antes do Sol e antes que qualquer estrela brilhasse no frio e escuro Universo.”

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