quarta-feira, 16 de julho de 2014

Alemanha abandona maior radiotelescópio do mundo

Fim do apoio alemão ao Square Kilometer Array decepciona astrônomos do país



(Scientific American Brasil) O financiamento científico da Alemanha pode parecer saudável para estrangeiros, mas seu ministério de ciência parece ter levado seus gastos longe demais. Na semana passada, o ministério julgou excessivos os recursos financeiro destinados ao maior telescópio a rádio do mundo – previsto para ser construído na África do Sul e na Austrália até 2024 a um custo de mais de US$2 bilhões – para um megaprojeto internacional.

Em 5 de junho, o ministério declarou que se retiraria do Square Kilometer Array (SKA), para tristeza dos astrônomos alemães, que afirmam não ter sido consultados e que esperam reverter a decisão.

“Parece que a Alemanha corre o risco de descarrilhar um dos primeiros grandes projetos científicos da África”, comenta Michael Kramer, diretor do Instituto Max Planck de radioastronomia em Bonn.

Do ponto de vista do SKA, porém, a perda do apoio alemão (que poderia chegar a dezenas de milhões de euros dos €650 milhões estimados para a primeira fase de construção) seria “decepcionante, mas não catastrófica”, pondera Philip Diamond, diretor geral da Organização SKA com sede em Manchester, no Reino Unido

Diamond coordena as ações de dez nações apoiadoras. De qualquer forma, Diamond adiciona que seus colegas alemães e ele "estão trabalhando intensamente para fazer o que for possível para reverter essa decisão”.

O SKA foi batizado com base na área total de coleta de dados de suas três mil antenas de rádio, cada uma com 15 metros de largura.

A maioria delas será construída na África do Sul, e a Austrália abrigará centenas de milhares de antenas mais simples.

Astrônomos estão reunidos esta semana na Sicília, Itália, para discutir planos de pesquisa para o megaprojeto planejado para captar emissões de ondas de rádio de período de nascimento das primeiras estrelas, algumas centenas de milhões de anos após o Big Bang.

Os organizadores brincam que o telescópio será capaz de detectar o sinal televisivo de um planeta orbitando uma estrela a dezenas de anos-luz de distância, caso exista radiodifusão alienígena.

De acordo com Kramer, a Alemanha é um dos principais membros do projeto do ponto de vista científico.

No science book [material de divulgação compreensiva de projetos científicos] do atualizado do SKA divulgado esta semana, por exemplo, o ranking das afiliações nacionais dos principais autores mostra a Alemanha em terceiro lugar. “Estimamos uma comunidade de aproximadamente 400 pessoas ativamente interessadas em apoiar o SKA”, comenta Kramer, coordenador do projeto de detectação de ondas gravitacionais a partir das emissões de rádio de pulsares, pesquisa que, de acordo com ele, inspirou parte do projeto do telescópio.

Mas em termos de financiamento, o impacto foi menor. A Alemanha ainda não tinha negociado quanto contribuiria para os €650 milhões da primeira fase de construção do SKA, que deve começar entre 2017 e 2018. Isso envolveria a adição de mais de 100 antenas a instalações existentes –o MeerKAT na África do Sul e o SKA Pathfinder na Austrália.

A África do Sul e a Austrália já concederam centenas de milhões de euros para esses telescópios precursores, mas até agora apenas o Reino Unido prometeu um financiamento futuro de US$168 milhões. De acordo com Diamond,esperava-se que a Alemanha contribuísse com um valor semelhante.

“Essa retirada não é um revés tão grande quanto as pessoas podem pensar”, adiciona John Womersley, físico de partículas que comandava a extinta diretoria do SKA. Ele aponta que o ministério de ciência da Alemanha (chamado de BMBF) está tentando estender seu orçamento para vários projetos europeus que devem começar nos próximos anos.

Entre eles estão o projeto XFEL, em Hamburgo (que deve produzir raios-X a partir de 2017), um acelerador internacional para antiprótons e íons (FAIR, em inglês) em Darmstadt (que fornecerá feixes de íons a partir de 2018), e a Fonte Europeia de Espalhamento, na Suécia (que deve disparar neutrons poderosos a partir de 2019). “Esses projetos foram afetados por limitações orçamentárias”, comenta ele.

Na Alemanha, porém, astrônomos estão insatisfeitos. “Aparentemente essa foi uma decisão interna do ministério, sem qualquer consulta à comunidade de astronomia”, declara Kramer, que conversou com a Nature enquanto participava da conferência italiana.

De acordo com Kramer, se a Alemanha realmente se retirar, seus cientistas perderiam a maior parte de seu tempo com o telescópio, já que apenas uma porcentagem muito pequena do tempo internacional será permitida para a pesquisa de nações que não contribuiram com o financiamento.

A indústria alemã também perderia com isso, já que não receberia contratos para a construção do telescópio. “Eu ouvi colegas dizendo que outros ministérios também estão chocados e surpresos com a decisão, e alguns estão hesitantes em relação ao que fazer”, adiciona ele.

Mesmo assim, nada disso indica uma perda internacional de confiança no projeto SKA, enfatizam Kramer, Diamond e Womersley. Em uma declaração publicada em seu website, a Organização SKA informou entender a retirada como tendo sido “provocada por difíceis circunstâncias financeiras nacionais em relação ao financiamento de grande infraestrutura de pesquisa na Alemanha e na Europa, e que isso de forma alguma reflete uma falta de confiança no projeto SKA” –uma afirmação que a ministra de ciência da África do Sul, Naledi Pandor, enfatizou em sua resposta ao anúncio.

Pandor, que chamou a decisão de “lamentável”, realizará uma reunião com sua contraparte alemã para discutir o problema nas próximas semanas, de acordo com uma declaração do ministério científico da África do Sul.

Ainda há tempo para o ministério alemão mudar de ideia: seus compromissos acabam em 30 de junho de 2015, sob os acordos legais vigentes. Mas “eles apresentam isso como uma decisão bem definitiva”, observa Womersley.

O ministério ainda não respondeu a pedidos de comentários, porque 9 de junho é feriado nacional na Alemanha.

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