sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Conserto astronômico


(Agência FAPESP) Contando com uma operação de grandes proporções, um importante radiotelescópio com antena de mais de 14 metros de diâmetro, localizado na região metropolitana de Fortaleza (CE), acaba de ser reparado com sucesso.


O equipamento, que estava fora de uso há um ano devido a um problema técnico aparentemente incontornável, é uma unidade básica de uma rede mundial de geodésia espacial. A rede, que conta com antenas semelhantes em diversos continentes, é responsável por serviços estratégicos como a calibração dos satélites GPS.

O radiotelescópio é operado pelo Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie (Craam), da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em cooperação com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por meio de um convênio entre a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Nasa, a agência espacial norte-americana.

Localizado no município de Eusébio (CE), o instrumento é o único do gênero no país e integra o Rádio Observatório Espacial do Nordeste (Roen). A antena faz parte de uma rede internacional com mais 30 grandes radiotelescópios concentrados principalmente na Europa, Estados Unidos, Japão, Rússia, Austrália e África do Sul.

De acordo com Pierre Kaufmann, professor do Craam, o reparo foi realizado pelas empresas brasileiras Robrasa, do grupo Thyssen Krupp e sua parceira instaladora Peyrani. Com o apoio e orientação do Departamento de Mecânica da Escola de Engenharia da Universidade Presbitariana Mackenzie, o serviço foi encaminhado à empresa e pago com recursos da Nasa.

“A complexidade do reparo necessário era tão grande que, há cerca de um ano, estávamos em vias de encerrar o programa. Não havia opções. Trocar de antena estava fora de cogitação, pelo custo elevado. Mas a empresa contratada fez uma proposta bastante criativa, que viabilizou o reparo”, disse o cientista que coordena o Projeto Temático Emissões da atividade solar do submilimétrico ao infravermelho, apoiado pela FAPESP.

A antena, inaugurada em 1993, teve um problema em seu eixo azimute, que possibilita o movimento horizontal. Para corrigir, era preciso trocar um rolamento de 2,5 metros de diâmetro. O novo rolamento foi fabricado em Diadema (SP), mas a operação – complexa e cara – consistia em desmontar e remontar a antena para a instalação do novo rolamento.

“A solução foi bastante original. Trabalhei na construção de diversas antenas e não havia visto nada parecido. Em vez de suspender a antena com guindastes – que seria uma solução convencional, mas muito difícil –, eles levantaram toda a estrutura com macacos gigantes e a fizeram correr em um trilho”, disse Kaufmann à Agência FAPESP.

O reparo foi realizado com sucesso e agora a parte eletrônica está sendo reinstalada. Espera-se que o radiotelescópio volte a funcionar dentro de algumas semanas.

A rede internacional da qual faz parte o Roen utiliza a técnica de interferometria de longa distância (VLBI, na sigla em inglês) “É uma rede de antenas que observa simultaneamente ‘radioestrelas’ celestes intensas – os quasares – obtendo interferências dos sinais”, explicou.

A precisão das observações é altíssima. “A precisão angular espacial é de 1 milésimo de segundo de arco. Para se ter ideia, o planeta Júpiter tem dimensão angular de cerca de 60 segundos de arco, próximo da resolução do olho humano. Um milésimo de segundo de arco é o tamanho de um astronauta visto na Lua, ou de uma moeda no Rio de Janeiro vista a partir de São Paulo”, disse Kaufmann.

Posições atualizadas
As observações dos mesmos quasares feitas a partir de diversos pontos do mundo geram dados que são gravados com padrões de tempo da mais alta precisão e enviados para centros de processamento em Washington (Estados Unidos) e Bonn (Alemanha).

“Com isso, é possível determinar com grande precisão as derivas dos continentes, as variações na duração dos dias, os movimentos irregulares do eixo de rotação da Terra e os movimentos plásticos da crosta terrestre”, contou Kaufmann.

As observações permitem estabelecer alterações mínimas na rotação da Terra, com precisão absoluta de dezenas de microssegundos, determinando movimentos na superfície da Terra com precisão inferior a 1 centímetro.

“Uma variação de 100 microssegundos na duração do dia significa uma variação de 1 metro na superfície da Terra, ou de dezenas de metros na altura da órbita dos satélites. Esses dados sobre as variações são processados e enviados aos controladores de satélites o tempo todo, possibilitando correções”, disse.

Caso esses erros de posicionamento não fossem corrigidos constantemente, eles se acumulariam e as posições dos satélites seriam perdidas. “Podemos afirmar que, se os serviços de interferometria de longa distância fossem suspensos por dois meses, não teríamos mais GPS. Com isso, o sistema de telefonia, que depende do sincronismo de tempo com satélites GPS, entraria em colapso”, afirmou Kaufmann.

Segundo ele, o principal e mais estratégico serviço prestado pela rede de radiotelescópios VLBI está na permanente atualização e calibração das constelações de satélites GPS e congêneres, como o GLONASS, da Rússia, o Galileo, da Europa, e o COMPASS, da China.

“Estas atualizações são essenciais para assegurar as precisões em georreferenciamento, bem como nos serviços de sincronismo remoto de relógios, de terminais repetidores de telecomunicações, de telefonia celular e assim por diante. Todo o sistema de telecomunicações de países como o Brasil depende do sincronismo de tempo do GPS”, disse.

O projeto do Roen é o resultado de acordos firmados em 1988 e 1989 entre a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e o Centro de Rádio-Astronomia e Aplicações Espaciais (Craae). O Craae é resultado de um acordo que reúne Mackenzie, Inpe, USP e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O Craae coordenou no Brasil os trabalhos de instalação do radiotelescópio na Estação de Eusébio, de propriedade do Inpe, e o Roen iniciou as operações em 1993. Em 2004, foi efetivado o convênio entre a AEB e a Nasa, que deu origem ao novo contrato assinado entre a Nasa e o Mackenzie, que passou a responder pela gestão do Roen. Parte dos custos operacionais, de pessoal e de infraestrutura é provida pelo Mackenzie e pelo Inpe.
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