(Folha) Papai Noel foi generoso com a comunidade astronômica brasileira. O Ministério da Ciência e Tecnologia e o ESO (Observatório Europeu do Sul) chegaram a um consenso para a entrada do país no consórcio, a um custo de cerca de €250 milhões (o equivalente a quase R$ 555 milhões) em 11 anos .
O acordo, ao qual a Folha teve acesso, está no momento sendo analisado pelo Ministério do Planejamento (de onde sairá a verba) e passará por pequenos ajustes de texto na pasta das Relações Exteriores, antes que a versão definitiva possa ser assinada pelo ministro Sérgio Rezende (MCT) e pelo diretor-geral do ESO, Tim de Zeeuw.
Se tudo correr bem, a cerimônia de assinatura deve acontecer na próxima quarta-feira, dia 29, em Brasília.
A partir daí, o Brasil será o primeiro país que não faz parte da Europa a fechar com o consórcio (excetuando-se naturalmente o Chile, que hospeda as instalações).
A negociação tinha esfriado depois que os termos originais apresentados pela organização europeia foram rechaçados pelo governo brasileiro, em setembro.
Mas, num movimento surpreendente, o ESO decidiu ceder e suavizar um pouco o custo para o Brasil, viabilizando o negócio.
CIFRAS
A organização europeia tem interesse no ingresso de novos membros para ajudar a financiar o seu futuro superobservatório, o E-ELT (Telescópio Extremamente Grande), que terá 42 m de abertura e deve ser inaugurado em uma década.
O resultado foi celebrado pelos envolvidos na negociação. Num e-mail trocado internamente no MCT, um assessor descreve o sentimento: "As equipes negociadoras comemoram como se tivéssemos conquistado a Copa do Mundo. Com gols até no último minuto".
CUSTO REDUZIDO
"Foi uma redução de quase 50% no custo original", disse à Folha, por telefone, o ministro Sérgio Rezende.
O Brasil ficou isento de uma contribuição adicional que está sendo imposta aos outros membros, no valor de €250 milhões, para a construção do E-ELT , próximo grande projeto do ESO.
Outra grande vitória foi o abatimento da anuidade a ser paga pelo país como membro do consórcio.
Normalmente o ESO usa o PIB (Produto Interno Bruto) de cada país como critério para determinar quanto é preciso pagar.
O governo brasileiro, no entanto, mostrou que a riqueza nacional não guarda a mesma proporção que a dos outros países do grupo quando se leva em conta a divisão per capita e o fato de que a comunidade astronômica brasileira não é, proporcionalmente, tão numerosa.
Como resultado dessa argumentação, o ESO decidiu promover um aumento gradual da anuidade brasileira.
Em 2012, por exemplo, o país pagará 25% do valor calculado com base no PIB. A porcentagem vai subindo até chegar aos 100%, em 2021.
Apesar dessas condições especiais, o país preserva na integralidade seus direitos como membro regular da organização.
Isso inclui a submissão de projetos de pesquisa para uso de toda a infraestrutura do observatório (trata-se da maior instituição de pesquisa astronômica do mundo).
VAI E VOLTA
Outra grande vantagem celebrada pelo governo é a possibilidade de empresas brasileiras disputarem as licitações ligadas à instituição.
"A Queiróz Galvão, por exemplo, está terminando um grande empreendimento no Chile com 2.000 funcionários. Está pronta para começar a obra de preparação do terreno para a construção do E-ELT, cortar o cume do morro e fazer uma estrutura plana", disse Rezende.
"As empresas brasileiras têm muito interesse e vão ter acesso, com a vantagem competitiva de estar muito mais perto do Chile [que as concorrentes europeias]."
O ministro destaca que haverá benefícios em outros setores, além da construção civil. "Na área técnica e de alta tecnologia, as empresas também terão grandes oportunidades. Lembre-se de que o Soar [telescópio brasileiro e americano construído no Chile] teve diversas peças fabricadas no Brasil."
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Cientistas apoiam participação brasileira em observatório
(Folha) A comunidade astronômica brasileira, de forma geral, é favorável ao esforço para fazer parte do ESO.
"A grande maioria é a favor, e em reunião da Sociedade Astronômica Brasileira, foi decidido que é isso sim que queremos", afirma Beatriz Barbuy, pesquisadora do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP.
Com o acordo, os pesquisadores poderão planejar projetos que envolvam alguns dos mais sofisticados equipamentos de pesquisa do mundo.
O grupo de Michel Mayor, do Observatório de Genebra, por exemplo, se tornou o mais importante caçador de planetas fora do Sistema Solar graças às instalações do ESO. E o VLT (Telescópio Muito Grande) é líder em pesquisas de ponta, em diversos segmentos da astronomia.
Agora, tudo isso vem com um desafio: os projetos brasileiros terão de ser tão bons ou melhores que os europeus. Diferentemente dos outros acordos de uso de telescópios estrangeiros, como o Gemini, no ESO o Brasil não tem um tempo específico de utilização reservado.
Os projetos dos países-membros são julgados pelo mérito, e se faltar qualidade na produção brasileira, há o risco de pagar e não levar.
O MCT avalia que esse é um risco menor. "Isso será uma mudança de escala para a astronomia brasileira", diz o ministro Sérgio Rezende.
Mas há quem discorde dessa avaliação. Entre eles está João Steiner, do IAG, que participou ativamente das últimas ampliações da infraestrutura brasileira para a astronomia, com a entrada no Gemini e a construção do telescópio Soar, no Chile. Mesmo os descontos feitos pelo ESO não o convencem.
"Continuo achando o que sempre achei: esse acordo é uma total irresponsabilidade", diz. "Nós vamos pagar uma enormidade de dinheiro para os europeus fazerem ciência."
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