sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Última chance para o Brasil escapar de mico astronômico


(Cesar Baima - O Globo) Na semana passada, duas instituições europeias ligadas ao espaço tomaram decisões importantes que afetam direta ou indiretamente o Brasil. Em reuniões de seus conselhos, o Observatório Europeu do Sul (ESO) deu sinal verde para o início da construção da parte civil do supertelescópio E-ELT, que será o maior do tipo no mundo, enquanto a Agência Espacial Europeia (ESA) aprovou o desenvolvimento do Ariane 6, nova versão de seu foguete lançador.

E o que o Brasil tem a ver com tudo isso? Bem, no caso do ESO, como já discuti anteriormente aqui e aqui no blog, o país assinou acordo para integrar o consórcio astronômico no fim de 2010, no apagar das luzes do segundo mandato de Lula, mas até hoje, quase 4 anos depois, ainda não ratificou sua adesão. É um investimento alto, de cerca de 270 milhões de euros ao longo de dez anos entre a “taxa de adesão” e contribuições anuais, mas que poderia ser em grande parte recuperado com a participação de empresas brasileiras na construção do E-ELT, projeto orçado em cerca de 1 bilhão de euros. Uma boa proporção destes gastos será justamente para erguer o enorme domo do telescópio, cujo contrato o conselho do ESO prevê assinar até o fim do ano que vem, no que será talvez a última chance real de o Brasil recuperar o investimento na entrada no consórcio.

Para isso, no entanto, é preciso que o Brasil, mais precisamente o Congresso Nacional, ratifique a adesão ao ESO. O problema é que, em um cenário de cortes nos gastos públicos e outras prioridades, o Executivo não pressiona pela votação, e sem isso o processo continua parado no Legislativo. Além disso, desde a assinatura do acordo os astrônomos brasileiros competem em igualdade de condições com os outros integrantes do consórcio para uso dos telescópios atualmente em operação, entre eles o VLT, um dos mais avançados do mundo. Isso, porém, também significa que o Brasil já deve ao ESO os valores referentes a estes quase 4 anos de contribuições, que não podem ser pagas, ou cobradas, devido justamente à demora na ratificação. É ou não um mico de proporções astronômicas?

Já a decisão da ESA ilustra outra grande dificuldade do Brasil na área, o passo de cágado com que caminha o programa espacial brasileiro. Temos em Alcântara, no Maranhão, um dos locais mais privilegiados do mundo para o lançamento de foguetes, mas até agora nenhum partiu desta base. Nos anos 90, o país assinou com a Ucrânia um acordo para montar uma empresa conjunta de lançamentos comerciais com base no foguete ucraniano Cyclone 4 que até agora não saiu do papel.

Neste meio tempo, a Ucrânia afundou em um conflito interno que cada vez mais desanda em direção a uma guerra civil, enquanto empresas americanas, com apoio da Nasa, desenvolveram sistemas bem mais baratos para fazer o serviço. A decisão da ESA de investir no Ariane 6 é uma resposta direta principalmente à SpaceX e seu foguete Falcon, e embora a agência europeia saiba que não vai conseguir em termos de custos com a empresa americana, ela sabe a importância de manter sua autonomia no acesso ao espaço, como atesta a própria Nasa e sua atual dependência dos russos para enviar seus astronautas para a a Estação Espacial Internacional (ISS).

Por aqui, contudo, isso permanece um sonho distante. Atualmente, o acordo com a Ucrânia é objeto de análise de comissão formada por representantes dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, Defesa e Relações Exteriores, cuja conclusão é incerta. Como nunca decolou, não deverá ser agora, com a Ucrânia à beira de uma guerra civil, que vá decolar. Já no campo nacional, o projeto do Veículo Lançador de Satélites (VLS) depende de verbas que nunca são suficientes.

O espaço não é para amadores, como ficou claramente demonstrado pela tragédia de agosto de 2003, quando uma explosão durante teste do VLS matou 21 pessoas, entre elas alguns dos principais cérebros que trabalhavam na sua construção. Sem investimentos, muito conhecimento e trabalho, periga o/a (insira aqui o nome do país mais pobre que lembrar) conseguir lançar um foguete antes do Brasil...

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