quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Grupos disputam corrida na construção de telescópios gigantes


(Folha) Dizem que o futuro pertence a quem traça planos para ele. Agora, astrônomos que trabalharam arduamente estão prestes a ter algo para mostrar por seus esforços.

Mais de dez anos depois de grupos concorrentes terem começado a buscar recursos para construir telescópios gigantescos, capazes de estudar os planetas que orbitam estrelas distantes e o nascimento de galáxias na aurora do tempo, essas novas ferramentas vão começar a entrar em ação no alto de montanhas no Havaí e no Chile, na maior, mais cara e mais ambiciosa onda de criação de telescópios na história da astronomia. Se tudo correr conforme o previsto, os astrônomos da década de 2020 vão nadar em petabytes de dados que chegarão por "streaming" do espaço e da Terra.

No último 20 de junho, profissionais do Observatório Europeu do Sul (ESO) nivelaram o topo de uma montanha no norte do Chile chamada Armazones, preparando o terreno para aquele que se pretende que seja o maior e mais poderoso telescópio óptico jamais construído. Conhecido como o Telescópio Europeu Extremamente Grande, ou E-ELT, o aparelho terá um espelho segmentado com 39 metros de diâmetro, poderoso o suficiente para divisar planetas que orbitam estrelas distantes. Os maiores telescópios atuais têm dez metros de diâmetro.

O Observatório Europeu do Sul é um consórcio formado por 14 países europeus e o Brasil, que aguarda a ratificação pelo Congresso para entrar no projeto. A confirmação brasileira deve levar o grupo a obter mais de 90% do US$ 1,5 bilhão necessário, (R$ 3,40 bilhões), em dólares de 2012, que é o custo projetado do telescópio, segundo Lars Christensen, porta-voz do consórcio. O telescópio deve ficar pronto em 19 de junho de 2024.

Dois anos atrás, outro grupo de astrônomos nivelou o topo de outra montanha no Chile, Las Campanas, onde pretende construir o Giant Magellan Telescope (GMT). Este terá um conjunto de sete espelhos de oito metros reunidos para formar o equivalente a um espelho de 25 metros de diâmetro.

Wendy Freedman, dos Observatórios Carnegie, na Califórnia, um dos organismos que lidera a colaboração para o telescópio Magellan, disse que o grupo já levantou cerca de US$ 500 milhões dos US$ 880 milhões (R$ 1,13 bi dos R$ 1,997 bi), em dólares de 2012, necessários. Ela anunciou recentemente a entrada da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) no grupo. A construção do telescópio começará este ano.

No Havaí não será necessário nivelar nada com explosões -bastará alguma terraplanagem no monte Mauna Kea, onde ainda outro grupo de astrônomos pretende construir um telescópio de 30 metros de diâmetro -chamado simplesmente Thirty Meter Telescope (TMT), ou Telescópio de Trinta Metros- num planalto pouco abaixo do pico de 4.300 metros de altitude.

O TMT vai custar US$ 1,2 bilhão (R$ 2,72 bi), em dólares de 2012. Até 2015, quando se prevê a entrada da Índia e do Canadá no consórcio, o grupo já terá 85% do dinheiro necessário, segundo seu co-diretor Michael Bolte, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz.

O refletor Hale, no monte Palomar, no condado de San Diego, Califórnia, era visto como o limite do que era possível na Terra, mas na década de 1980 astrônomos inventaram maneiras de construir espelhos maiores e mais finos que não vergassem, levando à criação de vários espelhos de oito metros e aos dois Kecks de dez metros. Mas o Magellan, o menor telescópio da nova variedade, será seis vezes mais potente que os Kecks.

O Telescópio Espacial Hubble, inaugurado em 1990 e previsto para continuar a transmitir dados até a década de 2030, tem apenas 2,4 metros de diâmetro. Sua potência vem do fato de estar acima da atmosfera, que embaça a luz vinda das estrelas.

Os novos telescópios serão equipados com uma tecnologia que não existia antes: a óptica adaptativa -a capacidade de ajustar a forma dos espelhos de modo a minimizar ou cancelar os efeitos da turbulência atmosférica que faz as estrelas piscarem. Esses telescópios poderão detectar objetos mais tênues que o Hubble.

Os telescópios no Chile vão reforçar a posição de centro da astronomia mundial do deserto do Atacama, uma área muito seca, alta, escura e dotada de ar muito calmo. A região já tem o Atacama Large Millimeter/sub-millimeter Array, ou Alma, um projeto internacional que é o radiotelescópio mais caro do mundo, e o Very Large Telescope (VLT), do ESO, um conjunto de quatro telescópios de oito metros situado perto do local que vai obrigar o E-ELT.

O Largy Synoptic Survey Telescope (LSST) deve começar a ser construído em breve no monte Pachón, também no Chile. Esse telescópio, um projeto conjunto da Fundação Nacional de Ciência dos EUA e do Departamento de Energia, tem oito metros de diâmetro. A Fundação Nacional de Ciência reservou US$ 473 milhões (R$ 1,07 bi) em seu orçamento para sua construção. O Departamento de Energia está contribuindo com US$ 165 milhões (R$ 374,5 mi) para uma câmera de 3.200 megapixels que vai produzir uma imagem do céu a cada poucos dias e, ao longo de dez anos, um filme do universo, permitindo flagrar tudo que se move ou pisca.

E há o espaço sideral, onde estão as estrelas.

Dois anos atrás, nos Estados Unidos, o National Reconnaissance Office (NRO, uma agência de inteligência) deu à Nasa dois telescópios espaciais do mesmo tamanho e design que o Hubble. Conhecida como Wfirst-AFTA (Wide Field Infrared Survey Telescope-Astrophysics Focused Telescope Assets), a missão pode começar em 2023, mais ou menos na mesma época em que a Agência Espacial Europeia vai lançar seu próprio satélite, o Euclid, para investigar a energia escura.

E há o mais caro de todos e aquele que voará mais alto de todos, o Telescópio Espacial James Webb, da Nasa, quase três vezes maior que o Hubble, com espelho de 6,5 metros de diâmetro que, em órbita, terá que desabrochar como uma flor.

O telescópio Webb, com orçamento limite de US$ 8 bilhões (R$ 18,1 bi) e lançamento previsto para 2018, foi construído para estudar as primeiras estrelas e galáxias. Ele é projetado para registrar a radiação infravermelha, não a luz visível, porque os objetos a essa distância se afastam de nós em velocidade tão grande que sua luz foi "deslocada para o vermelho", para comprimentos de onda maiores.

Alguns astrônomos sugerem que os telescópios também poderão enxergar a poluição. Ao longo de alguns milênios de indústria, alguns desses gases podem acumular-se até chegar a níveis detectáveis de longe e podem permanecer assim por 50 mil anos.

Como escreveram em um artigo Henry W. Lin, estudante da Universidade Harvard, e outros, será um mau sinal se os astrônomos enxergarem poluição em volta de um planeta distante, mas não divisarem sinais de vida presente. A detecção, escreveram, "pode servir de aviso adicional à vida 'inteligente' aqui na Terra sobre os riscos da poluição industrial.

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