quarta-feira, 2 de junho de 2010

Na geleira, o caminho para as estrelas

Cientistas vão usar o neutrino, uma rara partícula subatômica, em um observatório na Antártida

(The Wall Street Journal / Valor Econômico) Astrônomos estão construindo neste extremo do mundo um observatório que usa as geleiras da Antártida como lente e o planeta Terra como filtro. Eles querem encontrar uma rara partícula subatômica chamada neutrino.

Ao embutir sensores em bilhões de toneladas da água congelada mais pura do mundo - a plataforma de gelo da Antártida -, esperam capturar a reveladora centelha azul de uma rara colisão no gelo entre um neutrino do espaço sideral e um átomo qualquer. Eles apontaram os sensores para baixo, longe do céu, e usam o planeta para filtrar os raios cósmicos indesejados.

Cada breve descarga elétrica azul oferecerá uma pista para um universo escondido. Ao marcar essas centelhas como pontos num gráfico, para reconstruir o caminho do neutrino pelo gelo, os cientistas querem traçar o caminho de volta até sua fonte. Se tudo funcionar como planejado, eles esperam poder investigar ainda este ano catástrofes estelares nos confins do tempo e do espaço.

Financiado principalmente pela Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos, este observatório de neutrinos é o maior projeto astronômico realizado no isolado continente meridional. O conjunto de sensores que vai tomando forma nas profundezas do gelo local - um telescópio diferente de todos os outros - custará US$ 271 milhões. Os dados serão compartilhados por 35 laboratórios em sete países.

"O que estamos fazendo é basicamente desenhar um mapa do universo com neutrinos", disse o físico sênior do projeto, Mark Krasberg, da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos. Os neutrinos servem muito bem a esse propósito. Como não têm carga elétrica e praticamente nenhuma massa, essas partículas normalmente conseguem atravessar com facilidade a matéria. Isso as torna praticamente impossíveis de detectar. Mas também significa que os neutrinos, como não são afetados pela matéria, radiação ou gravidade, oferecem um meio de penetrar nos cantos em que a luz e o espectro eletromagnético não chegam.

Os cientistas acreditam que os neutrinos têm sido produzidos continuamente desde o início do universo, especialmente durante o nascimento e a morte das estrelas. Se conseguirem detectar os neutrinos que estão atravessando a Terra, os astrônomos conjeturam que poderão traçar a origem das partículas até as fornalhas nucleares em que foram criadas e aprender mais sobre a explosão das supernovas, as estrelas de nêutrons e as erupções de raios gama. "É uma maneira totalmente nova de olhar para o céu", disse o cientista-chefe do projeto, Francis Halzen, da Universidade de Wisconsin em Madison.

Chamado de "Ice Cube", ou "Cubo de Gelo", o projeto no polo Sul é a maior tentativa até agora de ampliar o conhecimento sobre o universo com sensores voltados a ondas invisíveis ao olho nu. Telescópios sensíveis ao infravermelho, às microondas, aos raios gama e X e às frequências ultravioletas permitiram descobrir ou teorizar a existência dos pulsares, dos quasars, dos buracos negros e da radiação remanescente do "Big Bang". Ninguém sabe o que as pesquisas astronômicas com neutrinos podem revelar. Os cientistas que descobriram essas partículas vindas do sol e de uma supernova distante ganharam o Prêmio Nobel de Física de 2002.

"É um campo inexplorado", disse o físico Thomas J. Weiler, da Universidade Vanderbilt em Nashville, Tennessee, que integra o consórcio de 12 países que desenvolve o Observatório Espacial de Energias Extremas, outro projeto. "Estamos no limiar em que otimismo vira realismo."

O observatório é localizado quase inteiramente sob a superfície do Planalto Polar, com 5 mil sensores organizados em 1 quilômetro quadrado de gelo. Desde 2005 equipes têm enterrado sensores protegidos por globos de vidro e unidos em cordões com 60 cada um, como lâmpadas de Natal, em buracos abertos por perfuradoras de água quente em 1,5 quilômetro ou mais de profundidade. Depois de encravados no gelo, os sensores ficam posicionados para capturar as frágeis centelhas azuis. "Esperamos encontrar algo que ninguém poderia ter previsto", disse Krasberg, o físico sênior do projeto.

Para angariar dados suficientes para a astronomia prática, os pesquisadores precisam de um detetor gigantesco, porque as interações entre neutrinos e a matéria normal são extremamente raras, disse a astrofísica Graciela Gelimini, da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Como uma formação natural que é muito maior do que qualquer sensor artificial, a geleira da Antártida parecia ideal. De uma pureza incomum, o gelo é tão transparente que sensores ópticos podem detectar a centelha de um neutrino a centenas de metros de distância.

Nesta remota base, os desafios de engenharia são formidáveis. Cada ferramenta e litro de combustível tem que ser transportado milhares de quilômetros. Só o equipamento de perfuração precisou de 40 voos de um cargueiro, num total de quase meio milhão de toneladas.

No auge da temporada de pesquisas polares este ano, 50 cientistas de capacetes e casacos vermelhos manusearam cabos, mangueiras e sensores elétricos e ópticos de vidro em cima da geleira de 3 quilômetros de espessura. O ar tem só 60% do oxigênio encontrado no nível do mar. Congelamento das extremidades do corpo, cegueira causada pela neve e enjoo devido à atitude são riscos. Até respirar aqui é trabalhoso.

Os cientistas não usam uma broca de metal e, sim, água quente sob alta pressão, para derreter cada um dos 86 poços temporários de até 2,5 quilômetros de profundidade, nos quais cada conjunto de sensores é inserido. Eles precisam correr antes que o buraco congele novamente e se feche. No auge da atividade, no início do ano, mangueiras d'água pretas serpenteavam em meio às rajadas de neve. As bombas do aparato de perfuração labutavam barulhentas no fino ar da Antártica.

"É como se fosse o maior lava-jato do mundo", disse o perfurador-chefe, Dannis Duling, também da Universidade de Wisconsin, gritando para ser ouvido em meio ao burburinho. O observatório deve se tornar totalmente operacional em janeiro. Weiler, do outro projeto, está cheio de esperança de que será bem-sucedido. "Honestamente, acho que o Ice Cube fará uma descoberta significativa dentro de um ano", disse.

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